“Trilogia da Vida Operária”, de Roniwalter Jatobá, ressurge com força pela Boitempo 435y2m

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Lançamento acontece na sexta, 20 de junho, às 11h, na Feira do Livro do Pacaembu, com presença do autor e do escritor Fernando Bonassi

A vida da classe trabalhadora brasileira volta ao centro da cena literária com o relançamento da Trilogia da Vida Operária, de Roniwalter Jatobá. Com nova edição e selo editorial da Boitempo, os títulos Sabor de Química, Paragens e Crônicas da Vida Operária serão apresentados em 20 de junho (sexta-feira), às 11 horas, na Feira do Livro do Pacaembu. O evento – que acontecerá na Praça Charles Miller, em São Paulo – contará com a participação do escritor Fernando Bonassi na mesa “Escrever e construir a cidade: literatura e crônicas operárias de São Paulo”.

Sabor de Química, livro de estreia de Jatobá, retrata o choque entre campo e cidade sob o peso da ditadura militar, dando voz aos despossuídos. A obra, dividida entre as seções “Bananeiras” e “A cidade”, forma um mosaico comovente sobre o que se abandona e o que se encontra quando se migra — não por escolha, mas por sobrevivência.

Trecho: Eles diziam que tudo em São Paulo era formoso, de melhor não havia, coisa e tal: somente guardavam as tristezas, escondidas nos cantos dos pés de porteiras, que ninguém achava. Falatórios bonitos de ruas cheias de carros se multiplicavam em mil na imaginação de Jarrê. Então, eles diziam dos prédios, grandes, dez, vinte andares, até tocando o céu, dos empregos oferecidos, a escolher, sem calos nas mãos, ganhando bom dinheiro para o gasto fazendo pé de meia. E mostravam à multidão (Jarrê sobressaía especulando, olhando de perto, cheirando, como é isso?, aquilo?) o relógio de pulso, Seiko, japonês legítimo, comprado a prestação na José Paulino. Jarrê, no perguntar só por perguntar, quem sou eu para possuir, qual é o preço?

Em Paragens, o autor reúne três novelas — Pássaro Selvagem, Tiziu e a que dá nome ao livro — para abordar diferentes trajetórias de migração. Os textos percorrem as cicatrizes do Brasil que expulsa seus filhos das zonas rurais para a dureza anônima das metrópoles. O operário ferido, a criança deslocada, o homem que caminha sem rumo: todos compõem a travessia amarga de quem sobrevive às margens.

Trecho: O dia na verdade parecia mais comprido sem fazer nada, demorava a chegar a noite quando deixei por semanas de voltar ao Brás. Nem o sol fraco e lento me animava a deixar o quarto. Coragem, Agostinho, experimentava isso para me manter firme. Esmorecia. Nas primeiras horas da manhã, ficava sentado na beirada da cama, triste e sem rumo. Vezes, ainda desacostumado, acordava assustado de lembrança mais funda ao ouvir longe o toque da sirene da fábrica de química. Pensava nas gentes com suas ocupações, cada um cuidando de si, nem um ente imaginando a existência de Agostinho Xavier. Vai acabar ficando louco, Dalva arreliava da cozinha, na brincadeira, venha comer antes que esfrie, lembrando a hora do almoço ou da janta.

Fechando a trilogia, Crônicas da Vida Operária é um marco pioneiro na literatura ao colocar o trabalhador fabril dos anos 1970 no centro da narrativa. Alimentada pela própria vivência de Jatobá nas linhas de produção e no volante dos caminhões, a obra retrata com precisão o cotidiano brutal dos migrantes que ajudaram a construir a São Paulo moderna — mas nunca se beneficiaram dela.

Trecho: Você vai indo sentado de olhos parados e encostado ao vidro da janela do ônibus e vê a rua. Nada pra você é estranho: a rua, a fábrica que você vê todo dia, o mendigo encolhido trêmulo de frio coberto de jornal naquela esquina, o vento que sopra dos trilhos como soprado pelas locomotivas que am pegando velocidade, e você a dentro do ônibus olhando a rua, quem sabe até me vê caminhando nessa hora da manhã no rumo da fábrica nesse primeiro dia de trabalho ou me vê já parado quieto aqui na frente esperando a hora, sete horas. Não lhe aceno nem você também, somos estranhos e desconhecidos.

A trilogia não apenas resgata a dignidade das vidas invisibilizadas, como reafirma sua relevância em pleno 2025, num Brasil ainda atravessado por desigualdade, informalidade e precarização do trabalho.

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