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Deem uma pispiada nas telas e nas redes. Nelas vicejam uma profusão de distopias, teratomaquias, terrores, bruxos, fadas, magos, deuses; criaturas que manipulam a “Força”.
Publicado 09/06/2025 22:04 | Editado 09/06/2025 22:05
Ou tem mais gente sentindo o mundo intoxicado de lugares comuns e deidades obscuras vindas do fundo das Idades Antigas e Médias da humanidade?
Em tempos de crise, o obscurantismo costuma fazer a ceifa, havendo feito para ele a semeadura os senhores das crises – os donos da grana e das armas feitas pela grana para que mais grana seja feita.
Mas… não sei… a coisa anda um tanto exagerada, hoje em dia…
Deem uma pispiada nas telas e nas redes. Nelas vicejam uma profusão de distopias, teratomaquias, terrores, bruxos, fadas, magos, deuses; criaturas que manipulam a “Força” – entidade difusa, submetida à vontade de um duende disforme, orelhudo e rabugento, manejador de sabres e aliciador de meninos incautos.
Esse seres são editados e reeditados à exaustão, a ponto de náusea… Mas todos pagam para vê-los e se alimentarem do medo, da incerteza, das sombras góticas a pretejar a roupa de nossos filhos. Caveiras e zumbis pustulados estampam camisetas, cadernos, capas de agenda. Uma morbidez faz morada, contrastante com a vida que a gente enxerga nas pupilas baças.
Por outro lado, tudo vige obra e vontade e representação do divino, do imaterial e intangível: riqueza, miséria, prosperidade, doença, saúde, presidente sem noção, morte de ente querido em acidente de carro ou guerra de extermínio, presidente com noção mas sem saída, megassena, desemprego, subemprego, carestia, queda de cabelo…
O feio, sujo e malvado, todavia, é todo por nossa conta e máxima culpa – ou de nossos pais, ou da que, faminta de sabedoria, trincou nos dentes um pomo proibido e, não satisfeita a danada, ofertou uma mordida ao mané a quem destinaram-na esposa.
E toca enfeiar-se para ver se ele nos perdoa. E toca a resignar-se para ver se ele nos aceita. E toca enriquecer sacerdotes para glorificar nossa pequenez no desfrute de um trambiqueiro da fé ou na satisfação de doutrinadores a serviço dos senhores da grana e das guerras. E toca sujeitar-se a pentagramas, adivinhas, pitonisas, sibilas, banhos, magias, horóscopos e superstições. E tome-lhe salmoura. E tome-lhe benzeduras. E tome-lhe doses cavalares de medos, de encostos, de maus olhados, de ódios cozidos e invejas supuradas, de semblantes tristes, relações tensas, amizades falsas, hipocrisias, falta de solidariedade, intolerâncias, reclamações e insatisfações cotidianas.
Aí o sujeito tenta abrigo na casa de Ciência, mas Ciência a ele se nega, falando por oráculos, dizendo que nada é certo e tudo pode como não pode ser a depender do ocaso das esferas – porque tudo a a não ar de miríades de probabilidades, pois não há mais, como nunca houve, ó São Newton!, leis – apenas ideias que, se alguma lógica as sustenta, ainda que inventada, ficam sendo.
E o duende reaparece, sabre em punho em forma de cajado, acompanhado de um vulcano ressuscitado, mais gandalfes e dumbledores, a demonstrar que sem um baseado é possível desaparatar na asa de uma mariposa, atravessar um buraco menor que um milésimo de próton e chegar a algum lugar sem tempo.
Ante tanto obscurantismo, o que fazer, Vladimir?
Esse reles poeta, dono de pouca, mas sincera poesia, vira-se para seus mestres Heráclito, Aristóteles, Epicuro, Hegel, Darwin, Freud, Marx, Engels, Lênin e Amazonas, mergulha na tradição clássica, renascentista, ilustrada, oito e novecentista, agrega na agem Ásia, África e América, de hoje e de antanho, e segue, escudo ao ombro, espada na tinta, desdenhando noites e acendendo manhãs quais lampiões. Um dia – e não há como evitar que surja, rastilho de sol no horizonte –, toda luz espraiar-se-á até o mais recôndito do tempo, e tudo restará claro, ainda que envolto em mistérios inesgotáveis.