Maid: a vontade por sobreviver 6i6e57
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A história é opressiva e ao mesmo tempo cativante sobre a jovem e muito sensível mãe, que sonha chegar a uma Universidade e se tornar escritora. No entanto, da parte de seu parceiro sofre abusos e violências
Publicado 17/11/2021 14:21 | Editado 17/11/2021 14:22

O mês de novembro é marcado por importantes chamados a lutas intensas contra as violências de gênero e de raça. O 20/11, Dia Nacional da Consciência Negra, referenciado na data da morte de Zumbi dos Palmares (no final do século 17), alude às batalhas dessa liderança negra pela sobrevivência e resistência contra a opressão e a tirania dos/as escravizados/as; e que hoje assinala as lutas por liberdade, direitos de negros e negras, contra o racismo estrutural. Cinco dias depois, em 25, é o Dia Internacional do enfrentamento da violência às mulheres.
“Maid” é uma minissérie recente, com uma dezena de episódios, que estreou em 1º de outubro e já está entre as 10 produções mais assistidas da Netflix. (1) Assisti avidamente, de uma só vez, durante o dia e até a madrugada, olhos bem abertos até o amanhecer. Aborda temática atualíssima, tratada com intensidade por direção e elenco, que nos faz aprofundar a reflexão sobre o quanto a sociedade brasileira é patriarcal e neocolonizada (como também em muitos países). A série conta a história real de Stephanie Land, autora da autobiografia intitulada “Maid: hard work, low pay and a mother’s will to survive” (“Faxineira: trabalho duro, salário baixo e a vontade de uma mãe de sobreviver”), um dos livros mais vendidos segundo o New York Times.
A história é opressiva e ao mesmo tempo cativante sobre a jovem e muito sensível mãe, que sonha chegar a uma Universidade e se tornar escritora. No entanto, da parte de seu parceiro sofre abusos e violências. Por causa disso, afasta-se do agressor com a filha Maddy (Rylea Nevaeh Whittet), de pouco mais de dois anos, uma personagem infantil e encantadora, para protegê-la. Alex (Margaret Qualley) trabalha como faxineira para sobreviver longe dos frequentes abusos psicológicos de seu companheiro Sean (Nick Robinson), homem instável e alcoolista. Retrata uma realidade dos Estados Unidos, mas também muito vista no cenário brasileiro das relações entre homens e mulheres.
A cidade dos episódios é Port Hampstead, nos EUA (na realidade, tudo foi filmado no Canadá). Alex foge de um trailer com Maddy, localizado em um lugarejo afastado, utilizando o carro, que se tornara sua morada por alguns dias, até perdê-lo por conta de um acidente na estrada. Sem o carro, aflita, ela se torna uma sem-teto.
Em cada episódio, o machismo e os abusos vão se revelando, tanto na relação com seu ex- companheiro, como com seu pai que foi agressor de sua mãe, Paula (Andie MacDowell atriz que, aliás, é a mãe na vida real da atriz que interpreta Alex), como de companheiros de sua mãe, marcando de forma intensa a vida de Alex. Ao longo da série, toma-se conhecimento do quanto Paula foi vítima crônica de violência doméstica, mas ela tenta negar, ou disso nunca tomou efetiva consciência, agarrando-se a uma fantasia de relações amáveis.
A relação de Hank, pai de Alex, também é refletida com apreensão e aflição por parte de Alex, que, ao contrário do tratamento com a filha, apoia as atitudes humilhantes e violentas de Sean, como que justificando as atitudes abusivas. Podemos dizer que ali está representado o que tem sido estudado sobre masculinidade tóxica, de como se espera que comportamentos específicos de indivíduos do sexo masculino exista a valorização da força física, ou de atitudes violentas e repressivas, tudo impactando negativamente a saúde das pessoas, em especial das mulheres. Essas imposições costumam ser repressivas e ligadas a comportamentos violentos, até enaltecendo a brutalidade e transformando as emoções em um sinal de fraqueza, próprias do pensamento machista, no qual o “sistema hierárquico” de gêneros, ou seja, o masculino prepondera sobre o feminino. Por isso, afetam a vida dos homens e das mulheres em diversos aspectos e, inclusive, são capazes de perpetuar casos de homofobia, estupro e misoginia. Assim é com Alex, com sua mãe, com outras mulheres que também sofrem violências diversas, inclusive sendo amparadas pelo Estado através de um abrigo para mulheres em situação de violência, que Alex a por duas vezes através da intervenção do Serviço Social. A cumplicidade do pai de Alex com Sean é muito nítido de o quanto o acordo garante a proteção de Sean – o menino frágil e alcoolista, em detrimento da filha e da ex- mulher. É um dos elementos centrais na série a batalha judicial e burocrática que envolve Alex, em torno da guarda da fiha Maddy, um evidente gerador de estado depressivo.

Embora o filme trate de abusos contra uma mulher branca, muitas e muitas mulheres negras são afetadas por violências físicas, psicológicas, institucionais. É o caso da responsável pelo abrigo para mulheres, a simpática e amável Denise (BJ Harrison), bem como Regina (Anika Noni Rose), dona da primeira mansão em que Alex realizou faxina; com Regina, apesar das relações conflituosas iniciais, tornam-se grandes amigas.
A violência doméstica e familiar contra mulheres é um fenômeno histórico e cultural, que não respeita raça/etnia, credo, orientação sexual/identidade de gênero, classe social ou nível educacional. No entanto, as mulheres e meninas negras sofrem com mais intensidade pelo componente do racismo estrutural de nossa sociedade. Neste 20 de novembro, dia da consciência negra, o movimento social e feminista mais do que nunca deve realizar todo o esforço para manifestar sua irrestrita solidariedade ao povo negro, mas fundamentalmente às mulheres negras, reconhecendo sua longa história no mundo e em nosso país, fazendo a denúncia da violência racista e misógina do capitalismo em aliança com o patriarcado. Nosso país concentra a segunda maior população negra do mundo, atrás somente da Nigéria. O Brasil apresenta um quadro de profundas desigualdades que atingem a população negra, em particular seu contingente feminino, resultado de histórica opressão e sofrimento imposta pelo colonialismo escravagista.
Essa série provoca muitas reações, desde o refletir sobre a vida cotidiana de violências de muitas mulheres e meninas, como da ausência de politicas públicas para atendimento, mas fundamentalmente sobre o quanto a mentalidade patriarcal está entranhada nas instituições, na subjetividade e de como talvez em todo o planeta muitas mulheres são socorridas por outras, formando redes de proteção e de apoio. A mensagem de esperança ao final é emocionante. Alex protege a filha Maddy, a leva a uma montanha para ver a cidade e a nova vida que está por vir. É comovente a jornada de Alex em não deixar a desesperança tomar conta, mesmo em momentos de profundas dificuldades. A frase de Lênin é indispensável quando nos diz para acreditar em nossos sonhos: “É preciso sonhar, mas com a condição de crer em nosso sonho, de observar com atenção a vida real, de confrontar a observação com nosso sonho, de realizar escrupulosamente nossas fantasias. Sonhos, acredite neles.”
Ficha Técnica: Maid – 1ª Temporada (Original Netflix)
Título Original: “Maid”
Duração total dos episódios: 545 minutos
Ano de produção: 2021
Dirigido por: John Wells, Helen Shaver, Nzingha Stewart, Lila Neugebauer, Quyen Tran
Referências:
(1) https://nosmulheresdaperiferia.com.br/maid-3-cenas-para-entender-a-solidao-de-uma-vitima-de-violencia/