Contradição: Buenos Aires aplaude ‘O Eternauta’, mas elege candidatos de Milei b3g5x
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Série antiautoritária conquista público, enquanto extrema-direita avança nas urnas com ataques digitais e fragmentação da oposição na capital argentina.
Publicado 23/05/2025 10:10 | Editado 23/05/2025 09:21

No começo de maio ocorreu a eleição para metade dos 60 assentos da Câmara na Cidade Autônoma de Buenos Aires, a capital argentina é hegemonizada pelo partido de Maurício Macri (o PRO) a 11 pleitos, inclusive no momento governada por seu primo Jorge Macri, mas esse vem perdendo espaço sucessivamente para o PJ peronista. Numa manobra comandada por Macri, a eleição da Câmara que equivale a Câmara Distrital do Distrito Federal, foi separada do pleito nacional que se avizinha para outubro após tentativa fracassada de composição com a legenda fascista “A Liberdade Avança” de Javier Milei, tentando fugir da polarização nacional. O processo eleitoral se mostrou uma surpresa.
O voto no pleito se dá em lista, encabeçada por 1 nome das legendas, o candidato construído pelo grupo de Milei amealhou 11 assentos, seguido pela oposição peronista com 10, os representantes de Macri com 5, o grupo de Horácio Larreta, que rompeu recentemente com PRO (Larreta foi candidato a presidente no pleito ado e já governou a cidade de Buenos Aires) com 3 e a esquerda “radical” com 1, os demais partidos não tiveram votos suficientes para ter assentos.
A eleição colocou no alvo o PRO de Macri, massacrado pelos violetas de Milei, numa clara demonstração que a extrema-direita não trabalha com o conceito de coalização, mas apenas de adesão e incorporação. Recheada de fake news construídas pelos trolls da Casa Rosada comandados por Karina Milei que coordenou a campanha das forças reacionárias durante o pleito.
Não tem jeito, a centro-direita e a direita neoliberal “tradicional” é vítima direta da ascensão da extrema-direita e o esquerdismo atrapalha os progressistas e a centro-esquerda em situações como esta. No caso portenho faltou apenas 1 cadeira para o PJ peronista dos Kirchner igualar o partido de Milei em 11 vagas. A eleição permitia a composição das forças para formar apenas 1 lista, a “esquerda” não topou compor, assim como do lado de lá saíram fraturados em 3, com listas de Milei, Macri e Larreta.
Milei não quer depender de Macri, pretende se firmar como única força de direita do país com condições de derrotar o peronismo, já este se consolida na capital, mantendo o status de maior grupo de oposição com aumento de assentos no parlamento em todos os últimos pleitos.
Na soma com a outra metade dos assentos que não foram disputados na eleição o PJ peronista se torna a maior bancada da Câmara com 20 cadeiras, seguido do partido de Milei com 13, o PRO de Macri com 10, o partido de Larreta com 5, a UCR com 5 também, a esquerda com 2 e outros menores com 5.
A eleição da capital federal argentina é um termômetro para o pleito nacional. Mesmo com muitas críticas e protestos no país, Milei acabou tendo uma vitória relevante, demonstrou força e acumulou para outrubro se apoiando nos ataques pelas redes sociais aos seus adversários do PJ e pseudo-aliados do PRO, esses últimos foram o alvo prioritário do grupo de Milei na reta final das eleições.
Os votos no candidato de Milei se concentraram na região norte da cidade, mais rica, os peronistas ampliaram pela região sul. O grupo de Macri não venceu em nenhuma das 15 comunas que congregam todos os bairros da capital federal.
Santoro, que encabeçava a lista peronista, liderou nas últimas semanas o pleito, mas a máquina federal moeu com tudo e conseguiu reverter por pouco uma vitória da oposição na capital. Milei conseguiu nacionalizar a eleição, transformando no debate entre dois polos: o peronista e os chamados “libertários”, o macrismo vai definhando, sua candidata à presidente no último pleito deixou o PRO e se filiou recentemente ao “A Liberdade Avança”.
O complexo quadro argentino carece de um centro, ou mesmo de uma centro-direita, o macrismo e seu PRO tem dificuldade histórica de fazer qualquer tipo de composição com o peronismo, se construiu na negação deles. Reservada as peculiaridades, lembra de longe o nosso PSDB na tentativa de contestar a eleição de Dilma, então comandado pelo seu candidato Aécio Neves…
Hoje o PSDB caminha em nosso país para o fim, foi a força neoliberal hegemônica durante toda a década de 90 e começo dos anos 2000, morrerá pelos próximos dias, fundido com o Podemos, vítima da absorção de parte de suas tropas pela extrema-direita brasileira, convertido em vassalo do bolsonarismo durante todo o mandato do fascista brasileiro, colhendo o que plantou nos equívocos que cometeu.
Macri parece incapaz de ver o exemplo do partido-irmão brasileiro e assiste impotente o desmonte de seu PRO, caminhando para um apoio constrangido, mais com a cara de adesismo, ao projeto da extrema-direita argentina.
O curioso é que os argentinos celebraram faz poucos dias o sucesso da série O Eternauta na Netflix, criada por um contestador do regime militar daquele país, uma ode a luta coletiva, com metáforas sobre a opressão e outras nuances. Mas na hora de votar acabaram consagrando um resultado que vai contra tudo isso em certa medida, mostrando a força das agressões, mentiras e calúnias via redes sociais, o próprio Macri criticou a violência desse expediente na mídia do país após o pleito.
Uma nação polarizada caminhará até outubro e terá um pleito repleto de tensões, esse é o caminho deixado pelo neoliberalismo fracassado, que acabou parindo uma ameaça maior: a ascensão do individualismo, herança deixada na sociedade pelos neoliberais, e a ascensão de uma extrema-direita pelo mundo, mais raivosa e perigosa que seus antecessores do Consenso de Washington. O resultado que vier provavelmente será como tem sido por todo o globo, apertado e polarizado, requerendo das forças progressistas amplitude, ligação com as massas populares e sagacidade para enfrentar as eleições.