A São Paulo de Ricardo Nunes e o projeto de destruição da escola pública 1y4n5n
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Com cortes, terceirizações e perseguição a diretores, gestão Nunes acelera a desestruturação da rede pública e transforma a educação em campo de negócios privados.
Publicado 26/05/2025 10:23

Venho denunciando há tempos o projeto em curso de privatização da educação pública da cidade de São Paulo. Projeto este que não é fato isolado, temos assistido a ações nesse sentido desde a década de 1990, com o avanço do neoliberalismo no mundo e a reconfiguração do papel do Estado sob os ditames do capital. Trata-se de um movimento estrutural e sistemático de mercantilização da educação, e não de mera “ineficiência” de gestão.
A cidade de São Paulo, inclusive, foi terreno fértil para a implementação desse modelo, contando com respaldo não apenas em governos conservadores, mas também em istrações progressistas. As gestões de Marta Suplicy e Fernando Haddad, ainda vinculadas ao Partido dos Trabalhadores, aprofundaram as parcerias público-privadas na educação infantil, sob a justificativa de ampliar o o e garantir a universalização do direito à creche. Essa inflexão não é um mero detalhe da história recente da cidade, revela a profundidade da hegemonia neoliberal, que contaminou até mesmo projetos de matriz popular. Não aponto isso como simples crítica, mas para alertar que a luta que enfrentamos vai além da superfície institucional ou partidária, trata-se de uma disputa ideológica de fundo, estrutural e de classe.
Nas últimas semanas, esse projeto mostrou mais uma de suas faces autoritárias e cruéis. Em uma medida inédita e profundamente antidemocrática, o prefeito Ricardo Nunes afastou 25 diretores de escolas municipais de suas funções, alegando “baixo desempenho” com base nos indicadores do IDEB. Trata-se de um ataque direto à gestão democrática e à autonomia das escolas, disfarçado sob o manto da “qualidade educacional”. Uma qualidade que, no fundo, se traduz por produtividade mensurável, resultados quantificáveis e lógica de mercado, nunca por emancipação humana, formação crítica ou justiça social.
Esse tipo de intervenção se inscreve num projeto mais amplo, a transformação do direito à educação em uma mercadoria. Um projeto que se realiza por meio da desvalorização dos profissionais da educação, da precarização do trabalho docente, da plataformização do ensino, do sucateamento da infraestrutura e da criminalização das resistências. Afinal, sabemos, para privatizar, é preciso antes desmoralizar. Para entregar a escola pública ao setor privado, é necessário, primeiro, convencer a opinião pública de que ela “fracassou”.
Não se trata, portanto, apenas de uma ação pontual. Trata-se de uma ofensiva articulada, em consonância com a política do governo estadual de Tarcísio de Freitas, que já anunciou a privatização da gestão de 143 escolas estaduais e investe milhões na construção de novas escolas via concessão. Trata-se de uma política ultraliberal que visa abrir a educação pública como novo campo de acumulação capitalista. David Harvey nos ajuda a entender esse fenômeno ao propor o conceito de “acumulação por espoliação”, é a transformação de bens públicos em ativos privados sob a justificativa da “eficiência”.
Na prática, isso significa entregar o orçamento público à iniciativa privada, via terceirizações, convênios, parcerias e contratos de gestão. Mas essa entrega vem acompanhada de outro elemento estratégico, a destruição simbólica da escola pública e de seus profissionais. As avaliações externas em larga escala, os rankings, os indicadores de “efetividade” não são neutros. São instrumentos ideológicos e políticos a serviço do capital, que alimentam a culpabilização dos educadores e naturalizam a precariedade.
É por isso que não podemos nos contentar com análises superficiais nem com respostas imediatistas. Cabe a nós, comunistas, romper com o senso comum, com a narrativa tecnocrática e com o moralismo institucional que tenta reduzir a crise da educação a questões de gestão, ineficiência ou desvio de conduta. Não se trata de má gestão. Não se trata de uma suposta “falta de preparo” dos profissionais. E, definitivamente, não se trata de casos isolados. Trata-se de um projeto político e ideológico de dominação.
Nosso papel é analisar para além das aparências, desvelar as determinações de fundo, entender o movimento histórico que nos trouxe até aqui. Como nos ensina o materialismo histórico-dialético, não basta ver o que está na superfície, é preciso compreender a totalidade, apreender as mediações, desvendar as contradições.
Crises e mudanças de paradigma colocam sobre nós uma tarefa inadiável, entender as raízes do problema e buscar soluções que não se limitem ao pragmatismo institucional. Claro, não sou ingênua nem romântica, conheço os limites da conjuntura e os riscos de cada enfrentamento. Mas sei também que não há avanço sem enfrentamento, e que o papel dos comunistas é agir tática e estrategicamente.
Não basta termos consciência da destruição em curso. É preciso intervir. E essa intervenção exige mais do que atos simbólicos ou mobilizações espontâneas. Exige organização política, direção ideológica e projeto de classe. Nosso papel não se limita à tática sindical ou à pauta econômica imediata, embora ambas sejam fundamentais. O desafio é outro, propor uma tática que esteja subordinada a uma estratégia de transformação social. Isso exige leitura rigorosa da realidade concreta, mas exige também coragem política para disputar o futuro.
As greves que mobilizaram as redes estadual e municipal neste primeiro semestre de 2025 não foram apenas por salário. Foram, sobretudo, um grito contra o projeto de destruição da escola pública. Foram o embrião de uma resistência que precisa crescer, se estruturar e se politizar. Professores e professoras ocuparam as ruas, construíram alianças com estudantes e famílias, desafiaram a narrativa da inércia e mostraram que ainda há disposição para a luta.
Mas é preciso mais. É preciso organizar a categoria para além das paralisações episódicas. É preciso disputar os sindicatos, enfrentar o burocratismo e a conciliação, criar coletivos de base, fortalecer os laços com os movimentos populares. É preciso chamar os trabalhadores à luta, mas, com clareza, o que está em jogo não é apenas o reajuste de 2,6% ou a devolução de descontos previdenciários, é o próprio sentido da escola pública enquanto espaço de formação humana e de construção coletiva do saber.
O que está acontecendo em São Paulo convoca a nós, comunistas, à responsabilidade histórica. A conjuntura nos impõe limites, mas também abre possibilidades. O colapso da escola pública não é inevitável, ele está sendo produzido. E, portanto, pode e deve ser enfrentado.
A luta é ideológica, política, estrutural. É por um projeto de escola que não sirva à lógica do capital, mas à formação omnilateral da classe trabalhadora. É por um projeto de sociedade que supere a barbárie neoliberal. E é por isso que seguiremos em luta.
O ataque é brutal, mas a resistência deve insistir em florescer. A educação não salva, mas a escola pública é campo e Batalha e de Esperança.