Incapacidade do Congresso aprovar regulação das redes leva STF a conduzir debate 4u3h1i

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Coordenadora do CGI.br critica omissão parlamentar para lidar com o tema e diz que Marco Civil segue atual, mas é insuficiente para enfrentar desafios trazidos pelas redes sociais

Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

A formação de maioria no Supremo Tribunal Federal (STF) pela responsabilização das plataformas por postagens ilegais de seus usuários reforçou o quanto o país está atrasado no debate deste tema no âmbito parlamentar.

Até hoje, o Congresso Nacional não avançou na regulação das redes sociais e a rapidez com que a tecnologia evolui traz, a cada dia, novos aspectos não devidamente contemplados pela legislação brasileira, como ocorre com o uso da inteligência artificial.

O que está em pauta na Corte, neste momento, são dois recursos, movidos pelo Facebook e pelo Google, relativos ao artigo 19 do Marco Civil da Internet, que ou a vigorar em 2014. O centro da discussão é a responsabilidade civil das plataformas da internet por conteúdos de terceiros e se sua responsabilização, no caso da não remoção de material ofensivo a pedido da pessoa afetada, dependeria de ordem judicial prévia.

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Na avaliação de Renata Mielli, coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), “a incapacidade do Congresso Nacional de aprovar um marco regulatório que defina regras e parâmetros para orientar a prestação de serviços das grandes corporações internacionais de tecnologia no Brasil é o que motiva o STF a conduzir o debate desses dois temas de repercussão geral, que envolvem o Marco Civil da Internet”.

Ela explica que, apesar de o Supremo ter votado majoritariamente para aumentar a responsabilidade das plataformas de rede social com relação aos conteúdos postados por seus usuários, os votos são muito diferentes entre si. “Houve ministro que defendeu a constitucionalidade com interpretação de acordo com o tipo de provedor, inconstitucionalidade sem redução de texto…a exceção foi do ministro André Mendonça, que defendeu a Constitucionalidade do artigo como é hoje”.

Então, completa Renata, “há um desafio que é o de entender os votos: primeiramente, a premissa da qual cada ministro está partindo, ou seja, como cada um está ‘conceituando’ o provedor de aplicação de internet. Porque o artigo 19 do Marco Civil da Internet não fala de plataforma de rede social, fala de provedores de aplicação de internet. Isso é fundamental, porque é preciso entender se a regra da responsabilidade que está sendo definida vai valer para todos os tipos de provedores ou só para plataformas de redes sociais”.

Neste sentido, ela lembra que tudo com o que nos relacionamos na internet, direta ou indiretamente, são provedores de aplicação: provedor de e-mail, de hospedagem de sites, aplicativos de banco e, também, redes sociais, serviços de mensagem e buscadores. “Julgar esse artigo inconstitucional para tudo vai trazer ainda mais confusão para o ecossistema de aplicações de internet, gerando uma enorme insegurança jurídica”, alerta.

Outro desafio levantado pela coordenadora do CGI.br é sobre como estabelecer a responsabilidade. “Aqui também não há um voto comum, há um conjunto muito diferente de caminhos a serem seguidos. Porque os votos não se limitam à inconstitucionalidade — sim ou não. Eles avançam, inovando ao criar um rol de obrigações que não estão na lei. E isso torna o processo mais complexo”.

Ela salientou que o CGI.br defende que o STF mantenha a Constitucionalidade do dispositivo, mas que ele seja interpretado conforme a Constituição para os tipos de aplicação de internet que têm alto grau de intervenção sobre a circulação do conteúdo de seus usuários, entre os quais estão as plataformas de rede social. “Aqueles que não interferem ou têm baixa interferência, como por exemplo provedores de hospedagem de sites e outros, deveriam continuar operando sob as regras do atual artigo 19”, argumenta.

Renata pondera que este dispositivo legal “se mantém atual para uma parte do ecossistema, mas é insuficiente para novos modelos de negócios que não são mais meros intermediários neutros, como é o caso das plataformas de redes sociais que, é claro, precisam assumir sua parcela de responsabilidade sobre os conteúdos que circulam em suas plataformas”.

Consulta pública

Como forma de enfrentar o debate de maneira ampla e envolvendo a sociedade, o Comitê lançou consulta pública, no final de maio, disponível até o próximo dia 17. O objetivo é construir coletivamente um conjunto de princípios voltados à regulação de plataformas de redes sociais digitais e pressionar o poder público por mudanças nesse sentido.

Em sua essência, os princípios estabelecidos para subsidiar o debate definem as redes sociais como “aplicações ou serviços digitais íveis via Internet que permitem a criação, publicação, compartilhamento e circulação de conteúdos gerados por usuários, além da interação social entre pessoas, grupos ou perfis públicos”.

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O documento chama atenção para o caráter das redes, que “operam por meio de mecanismos de recomendação, moderação e amplificação algorítmica, frequentemente monetizados por publicidade ou serviços pagos, e desempenham papel central na formação de redes de informação, expressão, influência e mercado”.

Neste sentido, salienta que a regulação “deve ser orientada por princípios que garantam a defesa da soberania nacional, da democracia e do Estado Democrático de Direito, assim como a proteção dos direitos fundamentais, a promoção de um ambiente informacional saudável, a preservação da liberdade de expressão e o estímulo à inovação”.

Para tanto, estabeleceu dez princípios norteadores: soberania e segurança nacional; liberdade de expressão, privacidade e direitos humanos; autodeterminação informacional; integridade da informação; inovação e desenvolvimento social; transparência e prestação de contas; interoperabilidade e portabilidade; prevenção de danos e responsabilidade; proporcionalidade regulatória; ambiente regulatório e governança multissetorial.

Para participar da consulta pública, clique aqui.