Conteúdos de ódio contra alunos e escolas crescem 360% nas redes 1n6i38

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Pesquisa inédita reforça paralelo entre manifestações de ódio e e de extremismo disseminadas por meios digitais

Foto: reprodução/Canva

Casos de violência extrema em escolas brasileiras tiveram aumento significativo a partir de 2019. Ao mesmo tempo, apenas em 2025, foram contabilizados mais de 88 mil posts em redes sociais com conteúdo de ódio contra alunos, docentes, diretores e ameaças às escolas. Em quatro anos, conteúdos dessa natureza saltaram 360%.

As informações fazem parte da pesquisa “Aspectos da violência nas escolas analisados a partir do mundo digital”, feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em parceria com a Timelens, agência de análise de dados.

De acordo com o levantamento, divulgado nesta quarta-feira (11), até o último dia 21 de maio, mais de 88 mil posts de ameaças a escolas foram registrados, sendo possível projetar crescimento em relação ao ano ado, quando foram contabilizadas 105,1 mil menções.

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Comentários que exaltam perpetradores de ataques saltaram de 0,2% em 2011, ano marcado pelo massacre de Realengo (RJ), para 21% em 2025. Neste ano, “os principais elogios recaem sobre jovens que, supostamente, reagiram com violência após sofrerem consequências psicológicas e emocionais decorrentes do bullying”, aponta o estudo.

Os elogios aos agressores voltam-se, sobretudo, para aspectos que os colocam numa situação “justa” de legítima defesa (35%), ou como heróis (23%). Na sequência, está o revide a agressões emocionais com agressão física (15%); a chamada “vingança justa” representa 12% e a reação efetiva para cessar o bullying responde por 5%. Outros elementos somam 10%.

Um caso recente que demonstra a gravidade desse quadro foi o de uma estudante de 14 anos morta por um colega de sala de aula em Minas Gerais, em 8 de maio. Ao todo, 27% das menções nas redes foram positivas ao agressor e o restante, negativas. Ainda que estas sejam maiores que aquelas, o percentual revela um grande apoio a atitudes de violência extrema entre os jovens.

Extremismo em alta

Olhando os dados, é possível perceber que essa situação de alta violência — que envolve especialmente uma população tão jovem e vulnerável e na qual vida real e virtual se misturam e se influenciam mutuamente — caminhou juntamente com a ascensão do discurso de ódio alimentado pela extrema direita.

Antes mesmo de 2019, mas em especial a partir deste ano — com a chegada de Jair Bolsonaro e seus apoiadores ao poder central do país e aos parlamentos e governos locais —, houve um processo de estímulo e naturalização aos ataques físicos e verbais, presenciais ou em redes sociais, especialmente contra populações minorizadas.

O caldo gerado a partir desse tipo de discurso serviu de fio condutor para viabilizar todo tipo de violência, especialmente na população mais jovem, a mais exposta às ideias promovidas via redes sociais. Se foi fácil chegar a esse quadro, sua reversão, no entanto se revela um complexo desafio.

De acordo com a pesquisa, entre 2001 e 2018, houve dez ataques às escolas brasileiras. “Nesse intervalo, nunca houve mais do que dois casos em um mesmo ano. Adicionalmente, na maioria desses anos não houve episódios de violência extrema registrados, como nos períodos 2004-2007, 2009-2010 e 2013-2016”, explica o estudo.

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Já a partir de 2019, “observamos um aumento significativo nesses episódios de violência extrema”, afirma. Naquele ano, foram ao menos dois ataques; em 2020, veio a pandemia e o fechamento de boa parte das escolas. No ano seguinte, houve novamente ao menos dois ataques; em 2022, dez e em 2023, 15 ataques, que resultaram na morte de nove pessoas e em 29 feridos.

Segundo a pesquisa, há um paralelo entre a intensificação de conteúdo violento nas redes sociais a partir de 2021 — com mais menções positivas a autores de violência em contexto escolar como reações legítimas a situações de bullying — e o crescimento no número de registros de ataques de violência extrema em escolas, que apresentaram aumento significativo entre 2022 e 2023.

O estudo aponta como as principais causas para esse cenário o aumento do extremismo e sua disseminação por meios digitais; a falta de controle e criminalização de discursos e práticas de ódio; a promoção da cultura armamentista e a glorificação da violência; a prevalência de bullying, preconceitos e discriminações no ambiente escolar e a insuficiente formação profissional para lidar com questões como mediação de conflitos e convivência escolar.

Lógica das redes valoriza violência

Ao tratar de como a lógica das redes sociais — cujos algoritmos valorizam conteúdos de maior engajamento — colabora diretamente para esse resultado, a pesquisa mostra que conteúdos voltados ao ódio contra outros grupos geram 67% mais tempo de tela, cliques e comentários.

A pesquisa alerta para o fato de que “se o ataque acontece no colégio, a radicalização começa no quarto, no celular, nas redes sociais e nos fóruns, que os adultos não veem – e não entendem”. E o que estamos vendo, completa, é que isso “não começa aos 15, mas aos cinco, seis anos – com celulares nas mãos e tablets no colo”.

De acordo com a pesquisa, em 2024, 35% das crianças e adolescentes de 9 a 17 anos estavam liberados pelos pais para usar em ambiente privado, totalmente sozinhos. A faixa de até seis anos respondia por 23%.

Mais de 97% das crianças e adolescentes am a internet pelo celular, um dispositivo individual e difícil de ser monitorado. Entre os 9 e os 17 anos, 81% possuem seu próprio dispositivo, diz o levantamento, tendo por base dados da pesquisa Tic Kids Online, 2025.

Outra dado revelado pela pesquisa é que aquilo que antes figurava principalmente na deep web, hoje já trafega mais facilmente na internet ível a todos os usuários.

Conforme a pesquisa, 90% dos conteúdos com discurso de ódio em 2023 estavam s àquele tipo de rede que não aparece em buscas comuns. Em 2025, a exposição desse tipo de conteúdo na deep web caiu para 78%, “sinalizando que as mensagens violentas e ameaçadoras que antes circulavam por esse ambiente fechado agora aparecem livremente, sem qualquer tipo de filtro, na web tradicional”.

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O estudo se debruça, ainda, sobre o cyberbullyng — forma de agressão que se utiliza de mecanismos tecnológicos para humilhar e intimidar pessoas —, mostrando que o mesmo atinge igualmente meninos e meninas, 12% cada. No entanto, são os meninos que mais praticam ofensas, 17%, contra 12% das meninas.

“Diferentemente das gerações anteriores, não há separação entre o mundo online e o offline — é uma vida só, híbrida. E, se não compreendermos bem essa experiência, não vamos conseguir criar respostas eficazes para protegê-las”, explica Manoela Miklos, pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Para ela, enfrentar esse cenário exige responsabilidade compartilhada entre Estado, escolas, famílias e sociedade.

Reversão de tendência

Apesar do cenário sombrio, a pesquisa destaca que, desde 2024, houve uma reversão de tendência, com poucos registros de violência nas escolas.

“Neste sentido, é possível constatar que os esforços coordenados entre os atores públicos da rede de proteção, liderados pelo MEC (Ministério da Educação), no âmbito do Escola que Protege, têm conseguido evitar uma tendência de crescimento no número de casos consumados a partir de 2024, apesar de um ambiente digital em processo de acentuação de sua radicalização”, argumenta a pesquisa.

O programa foi criado em 2023 e lançado no ano ado. Segundo a pasta, o objetivo é fortalecer a capacidade das redes de ensino para prevenir e enfrentar a violência nas escolas. 
 Para tanto, aposta na promoção da formação continuada de profissionais da educação; no fomento à construção de planos de enfrentamento à violência e respostas a emergências, além do assessoramento das redes de ensino em casos de ataques de violência extrema. Ainda conforme o MEC, a previsão de investimentos é de R$ 24 milhões até 2027, com o impacto pretendido de 28 milhões de alunos.