Anatel e governo Bolsonaro agem contra o interesse público e nacional dd5u
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Não faz sentido uma agência reguladora mergulhar o mercado audiovisual em um quadro de crise e instabilidade jurídica em plena pandemia
Publicado 27/07/2020 16:05

Em guinada radical, a Anatel se prepara para tomar uma decisão que atende aos grandes conglomerados de mídia e telecomunicações estrangeiros, liberando-os de qualquer obrigação com o País e com a cultura brasileira.
A decisão temerária é autorizar que TV paga seja distribuída via internet por quem não detém autorização de Seac (Serviço de o Condicionado), sem regulação das agências, sem obedecer ao código do consumidor, sem recolher ICMS e, principalmente, sem cumprir as regras da lei do Seac. Imaginem a tragédia que seria se o Banco Central decidisse o mesmo em relação às fintechs.
A consequência será a revogação tácita da lei da TV paga. Assim, a Anatel não apenas usurpará atribuições do Congresso como confrontará acórdão do Supremo Tribunal Federal que, em 2017, decidiu consagrar a neutralidade tecnológica para a TV paga em cumprimento à Constituição Federal.
O resultado será menos filmes e séries nacionais em nossas casas, já que as programadoras estarão desobrigadas de exibir conteúdo brasileiro, e as distribuidoras, de exibirem canais nacionais. Com eles, desaparecerão empregos e empresas, mas sobretudo valores culturais.
Ao se mover nessa direção, a Anatel e o governo Bolsonaro agem contra o interesse público e nacional.
O Brasil viveu a partir da lei do Seac, apesar da crise econômica, o melhor momento do seu mercado audiovisual. Cresceu o número de s em relação ao ano de aprovação da lei, cresceu o número de canais brasileiros e explodiu a produção audiovisual nacional, chegando à casa dos brasileiros em mais de 90 canais.
É muito positivo que a expansão da banda larga no Brasil traga consigo não apenas novos serviços audiovisuais como o vídeo sob demanda – mas também novas formas de oferta de TV aberta e TV paga. É desejável ainda que novos distribuidores de Seac operem, o que é facilitado por não terem que realizar vultosos investimentos em redes de distribuição. Mas não é razoável que o uso da internet para tal oferta seja utilizado para fraudar a Constituição Federal e a lei.
A ameaça pode ser contida. Os produtores independentes de TV recorreram ao STF para que este avalie a conformidade de interpretação da Lei 12.485 e da Lei Geral de Telecomunicações, segundo a Constituição. O ministro Luiz Fux, no julgamento anterior, em voto que foi acompanhado por todos os ministros do Supremo, anteviu que manobras tecnológicas poderiam ser adotadas para fugir às obrigações constitucionais e legais em relação a comunicação social.
É razoável esperar que os conselheiros da Anatel adotem uma postura de cautela e não cedam à manobra. Não faz sentido uma agência reguladora mergulhar o mercado audiovisual em um quadro de crise e instabilidade jurídica em plena pandemia. Quem tem legitimidade para alterar a lei é o Congresso, em atenção aos interesses nacionais e da sociedade.
Todos que queiram atuar na distribuição de audiovisual são bem-vindos. Mas não ao arrepio da lei, não em detrimento do direito dos brasileiros produzirem filmes e séries e de assistirem ao talento de seus criadores, artistas e técnicos. O Brasil merece continuar a se ver nas telas.